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errâncias VI

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buscar por água no mapa foi a primeira coisa a se fazer na chegada da alvorada estratégia de sobrevivência ~~~~~//~~~~~//~~~~x milhões de anos atrás, as brechas nas rachaduras da terra abriam espaço para receber pequenos fluxos d'água, que escorriam, acumulavam, e assentavam. aterramento aquático ~~~~~//~~~~~//~~~~ o rio que passa por lá também me banha aqui. casa fluvial ~~~~~//~~~~~//~~~~ se fosse possível que um povo em terras longínquas encontrasse o lugar da nascente, a noite seria de lua crescente, a colheita vingaria. caminhos para o desenvolvimento ~~~~~//~~~~~//~~~~ a significação e a metáfora dos territórios nos quais se sujam de lama e cinza os milhares de pés que percorrem as profundezas das terras de fogo. as veias que nos habitam ~~~~~//~~~~~//~~~~ "al revés": adj. m./f.                  adv. 1. escrever casa da esquerda para direita; 2. estar com as unhas das mãos sujas de terra; 3. apontar para o firmament

errâncias V

uma a uma as luzes da cidade se acendem: lâmpada, relâmpago, estrela. ~~~~~//~~~~~//~~~~ costumes deste lado do rio: depois de cada chuva, um momento de silêncio dedicado às gotas absorvidas pelo asfalto. passados 60 segundos regressam os sons das vozes, dos carros de los pericos y las preguntas sobre permisos. ~~~~~//~~~~~//~~~~ permiso: s.m. 1. consentimiento para explotación; 2. exercício de liberdade para vender, trocar e cantar na praça do largo. ~~~~~//~~~~~//~~~~ "no tenemos permisos disponibles" - nos dijerón te digo: "defiéndete, libérate con tu guitarra armada" desde então compusemos canções todas as manhãs. ~~~~~//~~~~~//~~~~ como as luzes de meia hora atrás, nota a nota ascendemos a cidade, para que nos acompanhem em ondas: as melodias de resistência, os barulhos de buzinas, os cantos dos grilos, os idiomas estrangeiros. (campo harmônico de si) a.n.

errâncias IV - sincrodestino

o sol desperta entre carros e matas: ilumina a simbiose rara entre janelas, concretos e rio. ~~~~~//~~~~~//~~~~ às quatro da manhã os lençóis ganham vida, voam através de mim e ensinam palavras: perpassagem: v. 1. arte de percorrer e ser percorrida 2. cámbiame a mi y yo te cambio a ti ~~~~~//~~~~~//~~~~ são grilos e tiros, ouvidos numa mesma hora da noite, que comprovam o quão aleatórios são os universos que habito, e para que se façam companhia, ondas sonoras viajam juntas: do disparo ou cordas vocais aos ouvidos de quem ainda não dormiu. ~~~~~//~~~~~//~~~~ "no te olvides de mi" descobrimos ser a mensagem subliminar das carteleras que dizem: "preciso de trabalho" ou das canções que se escutam sábado à tarde na porta do bar. - ni se te ocurra. ~~~~~//~~~~~//~~~~ domingo de manhã os motores dos barcos no porto se comunicam, emitem sons que da feira se escutam em forma de conselho ou eco: - pa'lante, mija - siempre pa'l

errâncias III - como chamas

qual é o nome dessa dor, que de tão minha, não sei se me pertence ou se pertenço a ela. dor de não pertencer, de não ter pra onde correr, por mais que correr seja sempre a única opção: -ficar não posso, trago na mala a sensação do penar. ~~~~~//~~~~~//~~~~ mala: s.f. 1. caixa de pandora que não se deve abrir ~~~~~//~~~~~//~~~~ a dor me faz permanecer, por ser a única coisa que pertence. de resto, nada tenho, resta o vocativo. ~~~~~//~~~~~//~~~~ perguntam meu nome e nunca entendem bem: - me chamam de la dolor/ida a.n.

errâncias II

adentro del río não reconheço meu corpo, tampoco las palabras. quando noto miradas, silencio na mata feito presa camuflada: o disfarce era o medo ou era eu? ~~~~~//~~~~~//~~~~ depois da última chuva as borboletas voltaram: amarelas, e não azuis das que comem, mas não bebem. ~~~~~//~~~~~//~~~~ como parir mapas quando narro minha rota, narro todas as demais: narração para o caos contação para derrotas. doloridas de tantas histórias, repartem seus próprios trajetos em líricas ~~~~~//~~~~~//~~~~ cartografia: s.f. 1. técnica para traçar 2. dom para contar a.n.

errâncias I

se todos os peixes nadassem de um só lado da margem talvez se tornassem presas fáceis, competitivas por alimento: talvez perdessem a oportunidade de diversificar sustento. às vezes espalhar significa sobreviver. preencher o rio: dois lados de margem para nutrir ~~~~~//~~~~~//~~~~ invoque minhas raízes! alimentar todas e quantas existirem por dentro: río abajo. ~~~~//~~~~//~~~~ mesmo com costume da recessão para as estiagens, existe a oportunidade de abraçar a dor em toda sua abundância, mostrando que na entrega às cheias está a cura para a seca. ~~~~//~~~~//~~~~ perguntas de cigana para cartomante: quantas fronteiras devem ser cruzadas para que se chegue ao destino? na chegada, quantos centímetros de paúra existem entre reconhecer e ser reconhecida? um rosto equivale a quantos fantasmas? qual é a unidade de medida utilizada para pesar objetos invisíveis da bagagem? a.n.

cheia

aos que dizem: -estanque! a fonte segue a jorrar dentre frestas, perpassa durezas, rompe concretos: quando a noite cai tudo se encharca, na alvorada resta a umidade e as poças de água acumulada. é época de chuva na terra que tudo vinga, revive e lança raiz. mesmo com dificuldade, a seiva circula, enche os olhos da paisagem: a manga e o sumo. árvore da fruto, gente recupera movimento, não falam de si, observam de tudo acumulam conhecimento. quando chega a hora d'água, vertem a sapiência antiga de criar: plantios, contos, remédios e nascentes. a.n.

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após demasiados silêncios nos cômodos, a luz das 5 da manhã com ares marítimos se torna a única certeza de claridade para os olhos e janelas da casa. de olhos entreabertos, por segundos mínimos e sonolentos, creo con todas las ganas que em algum percurso onírico durante as horas passadas eu tenha encontrado a chave da porta: se fosse verdade, faria de tudo pra que não entrassem, pra que eu não entrasse, e antes de mais nada, num salto mortal alcançaria mercúrio. não sendo possível evitar a entrada, que pelo menos a trancassem na saída. desperta, ao final dos primeiros instantes, me vejo uma vez mais dentro da sala: o sofá marrom, as paredes amarelas num enjoo de calor ao meio-dia, o banco que se desfaz à meia-noite. dentro de 4 paredes o corpo dócil, imbecil, débil prefere - antes de queimar sofás asquerosos e bancos traiçoeiros - acender a si mesmo buscando ascensão. ar quente sobe, e lá do alto quando me penso livre, descendo de poeira à cinza de cinza

recursos naturais II

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hoje voltaram as chuvas: nos escorremos, aprofundamos nossos sulcos, ocupamos espaços contaminados, deitamos raiz em rocha. passamos muitos dias limpando rios, pensando que resgatávamos nascentes: algumas delas secaram por conta de um verão intenso, outras, por dentro da floresta preenchem extensões entre folhas e raízes, encontram morada. na tarde passada, no meio da prosa, escutamos que enchente só afoga quem desvia o curso do mergulho. água é de penetrar o solo: - desce para retornar às entranhas, se converte em fonte de descanso e tons de azul em 3 movimentos: a fonte vertida que dá de beber aos animais, aos viajantes, aos forasteiros e aos exploradores. o silêncio. o retorno ao leito que dá de juntar trechos de gente, pedaços de língua, fios de certeza, traços de epiderme. a.n.

atitular

ontem, depois do suco frio que me ofereceram, eu quis fazer algo bonito, admirar uma bola brilhante, colorida daquelas que serpenteiam e não se importam se o passeio é  terrestre,  aéreo  ou aquático. planejei, mas parece que vai chover: o vento um pouco rápido demais, as nuvens encorpadas, um arrepio na espinha, a porta bate de supetão. pensei,  não vai dar pra sair... 2 minutos depois era só água: escorrendo pela janela... pingando no telhado... transbordando no balde... nos encharcamos às 3 da tarde,  coisas que a meteorologia não prevê. não que a premonição não funcione, mas não é fácil distinguir chuvisco de tormenta. nos dias de chuvisco,  a cidade até ousa sonhar com a dança da bola colorida: rolando pela areia, passando pela mão de criança, e num voo ligeiro, mais uma vez aos céus. mas foi tormenta. quando é assim, os besouros se escondem por baixo das folhas... das pedras... escondem cortes...olhares... procuram abrigo nas tampinha

estiagem

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é do sertão que brota o sol, e do casebre ao fundo, a cada coração que pulsa,  uma nova fase da lua para enfrentar o calor do dia seguinte. no chão só rastros de águas, patas e pegadas antepassadas, aqueles caminhos outros, sentido às cacimbas onde toda gente se reunia para dar de beber: fosse humano, fosse bicho, separação que nunca fez muita diferença na hora dos padeceres, o destino é sempre o mesmo: peregrinar pela provisão. a morada do sol secou, e no casebre ao fundo, a cada coração que pulsa, uma lembrança da época das torrentes, a repetição do mesmo tipo de sorriso, e o sinal da cruz para abençoar o novo dia. é de cedo que a mãe despede o filho, e, sem demora, dá de beber ao sol, quase não sobra pras bocas da terra. as bocas da terra sempre pedem mais, insaciáveis, confessam seus atos canibais. a mãe chora e elucida: ou é o sol ou é a prole, se eu navegasse, não rastejava. a.n.

{à margem}

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do ponto de vista da rede, o tempo parece durar mais. não por contar os segundos mais lentamente, mas por balançar mais vezes entre as rajadas de vento: a cruviana segue seu próprio tempo. por quanto vento um ser se sustenta parado enquanto sobe a maré? silêncio no tempo da semifusa, compasso amazônico - só se ouve o barulho do motor, os respingos d'água na vista e o bocejo da tarde. do outro lado da margem, não existe areia que não sustente a brincadeira e a euforia dos que vivem de oásis em oásis: pausa para criar contos que falem sobre os mistérios e propriedades da luz da lua refletida n'água. qual é a intensidade de tempo necessária para balançar uma árvore? os pássaros do quintal voam pra lua quando é maré cheia. a.n.